Por: Daniel Morais
É difícil conter a emoção ao assistir O Auto da Compadecida 2. Não apenas pelo reencontro com João Grilo e Chicó, personagens que habitam o imaginário brasileiro há mais de duas décadas, mas pela força nostálgica que o filme evoca em nós, que crescemos com a primeira obra – um marco cultural que transcendeu o cinema para se tornar parte da nossa identidade.
Quando sentei na poltrona do cinema, cercado por espectadores de todas as idades, o ambiente parecia carregado de expectativa e lembranças. Muitos de nós nos lembramos vividamente de quando assistimos à adaptação original de O Auto da Compadecida, baseada na obra de Ariano Suassuna. O escritor, com sua visão afiada e poética, nos apresentou a dura realidade do sertão nordestino, mas sempre com leveza, humor e humanidade. Suassuna não apenas contou histórias; ele nos fez enxergar o Brasil por um prisma genuíno, onde a simplicidade e as dificuldades coexistem com a criatividade e a fé do povo.
Agora, com O Auto da Compadecida 2, a sensação é de retornar a Taperoá para visitar velhos amigos. Selton Mello e Matheus Nachtergaele, em suas interpretações magistralmente renovadas, não só honram os personagens de Chicó e João Grilo, mas os fazem crescer diante de nossos olhos. A química entre eles é inconfundível, e o humor continua tão ácido e espirituoso quanto antes, mesclado à crítica social que é marca registrada da obra original.
O filme, dirigido por Flávia Lacerda e Guel Arraes, mantém a tradição de unir o regional ao universal, explorando temas como a ganância, a corrupção e as complexidades humanas. A narrativa, que mistura o misticismo religioso com a realidade nua e crua do sertão, alcança um equilíbrio perfeito entre o entretenimento e a reflexão. É um retrato do Brasil que, mesmo 20 anos depois, não perdeu a atualidade.
E não há como ignorar a grandiosidade da produção. Em um momento em que o cinema brasileiro luta para retomar seu espaço, especialmente após os desafios da pandemia, O Auto da Compadecida 2 quebra barreiras. Com 600 mil espectadores em apenas três dias e uma bilheteria de R$ 4 milhões na estreia, o filme não é apenas um sucesso; é uma celebração do poder do nosso cinema.
Enquanto a história de João Grilo e Chicó se desenrolava na tela, eu não podia deixar de pensar no que Ariano Suassuna diria ao ver sua criação renovada para uma nova geração. Certamente, ele sorriria ao perceber que o Brasil continua se emocionando com as aventuras desses dois trapaceiros do sertão. Suassuna nos ensinou a rir de nossas tragédias e a encontrar beleza até nas maiores adversidades.
Ao sair da sala, com um sorriso no rosto e o coração aquecido, me veio à mente o que Selton Mello declarou: “Saboreiem cada segundo, uma celebração do nosso cinema.” E é exatamente isso. Este filme não é apenas uma sequência; é um convite para reviver nossas raízes, honrar nossa cultura e celebrar a genialidade de quem faz do Brasil, com todas as suas contradições, uma terra tão rica em histórias.