Levantamento do Indicador de Alfabetismo Funcional revela estagnação nos índices desde 2018 e aumento do analfabetismo entre jovens; especialistas alertam para urgência de políticas públicas e combate às desigualdades.
O Brasil carrega, há décadas, uma ferida aberta em seu sistema educacional. E a mais recente edição do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgada nesta segunda-feira (5), expõe mais uma vez a profundidade desse problema: três em cada dez brasileiros com idade entre 15 e 64 anos são analfabetos funcionais. Isso significa que 29% da população adulta do país não consegue ler, escrever ou interpretar informações simples do cotidiano, como o valor de um produto ou o número de telefone em um anúncio.
O dado, que permanece estagnado desde 2018, reforça o alerta sobre a urgente necessidade de políticas públicas consistentes e abrangentes para enfrentar essa desigualdade histórica e estrutural.
Retrocesso entre os jovens
Ainda mais alarmante é o crescimento do analfabetismo funcional entre os jovens de 15 a 29 anos. Em 2018, o índice era de 14%. Agora, chegou a 16%. Especialistas apontam a pandemia de Covid-19, que deixou milhões de estudantes afastados das salas de aula e dificultou o acesso ao ensino remoto, como um fator determinante para esse retrocesso.
“O aumento entre os jovens revela o impacto de anos sem um ensino presencial de qualidade e, sobretudo, sem condições mínimas para garantir o aprendizado fora da escola”, alerta Roberto Catelli, coordenador da área de educação de jovens e adultos da Ação Educativa, uma das entidades responsáveis pela pesquisa.
Desigualdade que se perpetua
A pesquisa também evidencia desigualdades persistentes entre diferentes grupos sociais. Enquanto entre os brancos o índice de analfabetismo funcional é de 28%, entre negros chega a 30%. A situação é ainda mais crítica entre indígenas e amarelos, onde a taxa dispara para 47%. Apenas 19% dessas populações alcançam níveis consolidados de alfabetização, contra 41% dos brancos.
“Esse cenário escancara a exclusão histórica a que essas populações foram submetidas e que continua a se reproduzir”, afirma Esmeralda Macana, coordenadora do Observatório Fundação Itaú.
Impacto no mercado de trabalho
A deficiência educacional não se limita aos desempregados ou aos que vivem à margem do sistema. Entre os trabalhadores brasileiros, 27% são analfabetos funcionais. Isso significa que mais de um quarto da força de trabalho nacional enfrenta dificuldades para compreender instruções básicas, documentos ou manuais no ambiente profissional. E, mesmo entre quem possui ensino superior, 12% apresentam esse tipo de limitação.
“O analfabetismo funcional é uma limitação grave, que impede a plena participação cidadã e econômica das pessoas. Limita o acesso a melhores empregos, dificulta o entendimento de informações de saúde, segurança e direitos, e reduz a autonomia individual e coletiva”, reforça Catelli.
Desafio para um país digital
Pela primeira vez, o Inaf avaliou também o letramento digital da população, em meio a um mundo cada vez mais conectado. Os resultados apontam que as dificuldades de leitura e interpretação comprometem também a capacidade dos brasileiros de lidar com tecnologias, aplicativos e serviços digitais, aprofundando ainda mais a exclusão em tempos de inteligência artificial e serviços automatizados.
“Se não acelerarmos e ampliarmos o alcance das políticas educacionais, corremos o risco de aumentar ainda mais essa distância entre os que conseguem acompanhar as transformações digitais e os que ficam para trás”, adverte Esmeralda.
O tamanho do desafio
O Inaf ouviu 2.554 pessoas entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025, em todas as regiões do Brasil. A pesquisa, coordenada pela Ação Educativa e pela consultoria Conhecimento Social, contou com a parceria de organizações como Fundação Itaú, Fundação Roberto Marinho, Instituto Unibanco, Unicef e Unesco.
Os números traduzem não apenas a fragilidade do sistema educacional, mas também o desafio de reverter esse quadro em um ambiente social e econômico cada vez mais desigual. O Brasil, que sonha com um futuro mais justo e desenvolvido, precisa olhar com mais urgência para o presente da educação.
Como conclui Catelli: “Só com políticas públicas sólidas, investimento consistente e compromisso social será possível romper esse ciclo de exclusão educacional que atravessa gerações.”